“Eu sou um suspeito
para falar da poesia de Sirlei,
porque eu me encontro muito nela
e a gente só gosta
de quem se parece com a gente.”
Mário Quintana
CADÁVER AMBULANTE
Mundo ignóbil,
mundo pobre,
submundo,
moribundo.
Animais bichos nobres,
homens bichos bichos:
ferozes, devoradores,
atrozes, algozes.
Vida sem vida.
Vida não vivida.
Cadáver ambulante...
vida humilhante,
pedante.
Vivente descrente.
Descrente do ser
que se chama de humano
e que mais desumano
Já não pode ser.
Devolva-me a fé na humanidade
para que eu volte a viver.
OS TREZE
Teria minha energia
uma voltagem diferente?
Ou será que o Senhor,
por um lapso,
esqueceu-se
de fazer minha outra metade?
Fico, às voltas, às cegas,
à procura do ser que me complete.
Um é bom demais,
já teve uma viva que o prendeu.
Outro não sabe apertar os botões certos,
considera as mulheres máquinas iguais.
Um terceiro
é excelente amigo, bom de papo,
mas não é suficiente voluptuoso no amor.
Um quarto é pacato demais.
Outro é chiclete.
Um sexto é carinhoso,
porém o nível de sua cabeça
fica abaixo da temperatura normal.
O sétimo olha as pessoas
por um ângulo muito estreito e assim
não consegue ver além das aparências.
Um oitavo é machista demais
para aceitar uma mulher
que saiba caminhar só.
O nono é excelente amante,
porém vazio de espírito.
O décimo é inteligente, bonito e rico
mas extremamente frio
e, por isso,
crítico no convívio diário.
O décimo primeiro é vulgar demais.
O que completa a dúzia até aria,
mas me deixa em dúvida,
não sei se não me ama,
ou lhe falta coragem
para assumir uma mulher que é mãe.
O que perfaz os treze pontos
deveria ser o meu, quem sabe.
Onde andará? Terá sido criado?
Por ter conhecido o entrosamento total,
é que pago o preço de andar só.
Possuo o suspiro bom e profundo do pássaro
que não se contenta em voar a cem metros.
Em consequência,
sou portadora do cântico da solidão,
pois nenhum quer arriscar-se
a desvendar os enigmas do coração,
a subir ao meu lado.